sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sustentação Oral nos Juizados Especiais

Fazendo busca por novidades para apresentar aos usuários, deparou-se o signatário com um artigo da lavra de um magistrado de Juiz de Fora, em Minas Gerais, cuja íntegra pode ser vista neste endereço.


O título do trabalho, que anuncia desde logo sua aversão à possibilidade de sustentar oralmente nas Turmas previstas na Lei dos Juizados Especiais, é: “A inutilidade da sustentação oral nas Turmas Recursais”.


A base do artigo é a seguinte: “A sustentação oral é uma enxertia que complica o procedimento. E, evidentemente, o que complica o procedimento não pode ser adotado nos processos dos Juizados Especiais Cíveis”.


Com todo o respeito, a posição é inaceitável.


Inicialmente, por se basear em várias premissas equivocadas.


A primeira delas é a afirmação de que “as regras do CPC não se aplicam subsidiariamente aos processos dos Juizados Especiais Cíveis”, o que não é verdade.


Inobstante a possibilidade de aplicar a analogia em relação a questões lacunosas, é de notar que, no âmbito da execução nos juizados, por exemplo, a subsidiariedade das regras do processo comum é expressa, como se infere do caput do art. 52 da Lei 9.099/1995, que tem a seguinte redação:


“Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: (...)”.


A segunda premissa errônea, que demanda maior atenção, vem contemplada na seguinte assertiva: “Nenhuma doutrina ou regulamento contrários aos princípios simplicidade [sic] e informalidade (art. 2.º) podem ser admitidos”.


Esquece-se todavia o autor que o art. 2.º não abriga apenas os princípios da simplicidade e da informalidade, mas, também, o da economia processual, o da celeridade e, em especial, o da oralidade, que ocupa o primeiro posto no rol estabelecido no comando legal.


Ora, com o perdão do truísmo, o que pode ser mais compatível com o princípio da oralidade do que a sustentação oral? A sustentação é decorrência lógica de tal princípio e dele seu primado é oriundo.


Há, ainda, outros pontos a serem rechaçados, além desses argumentos estruturais distanciados da realidade.


Ao considerar que a Sustentação nas Turmas Recursais “complica o procedimento”, o autor se esquece do disposto no art. 30 da Lei dos Juizados, segundo o qual “a contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor”.


Seguindo a linha de raciocínio do autor, aduzir defesa oral em audiência “complicaria” o procedimento, pois é claro que seria muito mais rápido simplesmente entregar a contestação escrita para ser juntada aos autos.


Perder-se-ia, porém, a característica marcante proporcionada pelos princípios da oralidade e da simplicidade, que permite ao juiz ouvir diretamente o que as partes, representadas ou não por advogado (art. 9.º da Lei 9.099), têm a dizer.


(E cabe, aqui, o registro de que em praticamente todas as defesas orais que o ora signatário realizou nos Juizados, o resultado foi positivo. Veja-se também que, uma vez mais, o processo comum se aplica às causas de menor complexidade, nas hipóteses de suspeição ou impedimento do juiz, diferentemente do que sustenta o magistrado autor do artigo ora comentado.)


Como visto, os argumentos utilizados para afastar a possibilidade de realizar sustentação oral nas Turmas Recursais não resistem a uma análise acurada, e chegam, inclusive, a contrariar o próprio espírito da Lei.


Tampouco contribui para o debate a afirmação do autor de que, em vários anos, nunca logrou “ver nenhum resultado prático para essas falas, que, em todas as oportunidades, eram uma repetição oral do que tinha sido exposto por escrito”.


Nada há de errado em aduzir oralmente o que já está escrito, pois a sustentação possibilita enfatizar tópicos considerados importantes de uma forma não alcançável pela frieza do papel .


Ao final, cabe salientar que, anteriormente ao julgamento da Medida Cautelar na Adin 1.127-8, a Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, previa expressamente, em seu art. 7.º, IX, que entre os direitos do advogado estava o de “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido”.


O voto do Min. Paulo Brossard, relator da cautelar, pautou-se na inconstitucionalidade da norma não pelo direito, incontestável, de o advogado realizar a sustentação oral, mas pela suposta ingerência indevida da lei em um poder que, segundo ele, seria privativo dos Tribunais, no sentido de disciplinar, em seus regimentos internos, como o procedimento ocorreria.


Mas a questão, presente no artigo de lei suspenso (que já foi julgado inconstitucional, mas do teor de tal julgamento não se obteve a íntegra), de permitir ao advogado fazer a sustentação oral depois do voto do relator (e que foi debatida exaustivamente naquela ação, para afastá-la, sob o argumento de nunca ter sido adotada, seja no Brasil ou no exterior), voltou à tona recentemente.


Isso porque esta é exatamente a ordem prevista no Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça para o advogado realizar a Sustentação. (Promete-se abordar a questão com mais esmero em momento oportuno. Por ora, cabe indicar a publicação, que pode ser vista neste endereço.)


Fez-se essa pequena digressão para afirmar que, ainda que o art. 7.º, IX, da Lei 8.906/1994 tenha sido julgado inconstitucional, não o foi para suprimir o direito de realizar sustentação oral (voltar-se-á ao tema tão-logo se obtenha a íntegra do Acórdão final da Adin 1.127-8).


Portanto, não havendo norma expressa a vedar a Sustentação Oral nos julgamentos das Turmas Recursais previstas no art. 41, § 1.º, da Lei dos Juizados Especiais, ela não só é permitida, por atender ao princípio da oralidade, como (valendo lembrar, nesse sentido, o que se comentou no primeiro texto do blog) é altamente recomendável.


Atualização (16.08.2009, às 18h00):


O texto comentado nessa postagem também está disponível no endereço eletrônico da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, podendo ser lido aqui.



2 comentários:

William Figueiredo Cabreira disse...

Bom dia,

Eu particularmente concordo com o que disseste neste post.

Já havia lido algum tempo atrás o texto do Eminente Julgador e não havia concordado com tal tese. Me parece absurda a pretensão de desqualificar um importante ato processual, qual seja o de sustentar oralmente as razões do recurso.

Muitas vezes, dada a singeleza da escrita, como pontualmente asseveraste, não conseguimos enfatizar como queríamos determinados pontos. Falha que pode ser suprida com a referida sustentação.

Parabéns por se pronunciar pelo assunto.

Abraços.

Fábio de Carvalho Groff disse...

Caro William,

Muito obrigado! Espero tê-lo sempre por aqui.

Atenciosamente,

Fábio

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