Não foi necessário aguardar a repercussão, entre os usuários, do resultado da ADIn 1.105, tratada no post de ontem.
O Conjur já publicou interessante artigo a respeito, da lavra de Sérgio Niemyer, o qual segue reproduzido na íntegra. Para ler, clique em
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"Finalmente, depois de quatro anos de espera e gestação maior do que a de um elefante, o STF publicou o acórdão proferido na ADI 1.105, julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso IX do artigo 7.º da Lei 8.906/1994. Aqueles que acompanham a questão devem lembrar-se: o julgamento foi transmitido em tempo real pela TV Justiça.
Ocorre que o STF, infelizmente, dessa vez cometeu um erro primário, que nenhum aluno de segundo ano do curso de Direito cometeria: acolheu um pedido parcialmente inepto porque mais extenso do que a causa de pedir. Em outras palavras, o pedido com extensão superior ao que autoriza concluir a causa petendi não decorre inteiramente desta e, por isso, é inepto naquilo que dela extravasa.
Isso mesmo. A petição inicial da ADI 1.105 está no site do STF para quem quiser consultá-la. Nela todos os argumentos abordam um só tema: a oportunidade para o advogado proferir sustentação oral antes do voto do relator. Nada mais. Porém, o pedido dirige-se a todo o conteúdo do inciso IX do artigo 7º, e exatamente por isso a petição inicial é parcialmente inepta.
Decorre da definição técnica adotada pelo Código de Processo Civil, em uma de suas modalidades, ser inepta a petição quando o pedido não decorre da causa de pedir. Ora, se é assim, deve-se fazer o confronto das razões vertidas na petição inicial com o pedido para verificar se é ou não o caso de inépcia. Haverá inépcia se o pedido não fincar suas raízes na causa de pedir. E se esta não contém uma só palavra, uma só linha a respeito de determinada matéria, não pode o pedido estender-se para alcançar essa matéria, sob pena de ser inepta a petição inicial nesse tópico.
No caso da ADI 1.105, a petição inicial é inepta a respeito de dois núcleos normativos contidos no inc. IX do artigo 7.º da Lei 8.906/1994 que não foram objeto de nenhuma discussão, nem na própria petição inicial nem pelo Pleno do STF quando apreciou a questão em 2006.
Deveras, reza o inciso IX do artigo 7.º, in verbis: 'IX - sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido'.
Como se vê, há nesse dispositivo legal três núcleos normativos, todos relacionados com o direito de sustentação oral, a saber:
1) o primeiro trata da do próprio direito de sustentação oral, e altera a regra do artigo 554 do CPC que restringia esse ato aos recursos de apelação e embargos infringentes. De acordo com a primeira parte do inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/1994, a sustentação oral passa a ser um direito da parte e prerrogativa do advogado em qualquer recurso ou processo, seja em instância judicial ou administrativa. Ou seja, a sustentação oral passa a ser admitida também nos recursos de agravo de instrumento, embargos de declaração, etc., porque tal matéria é atinente ao processo — trata de um ato processual —, cuja competência legiferante é exclusivamente da União (CF, art. 22, inc. I);
2) o segundo núcleo normativo contido no inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/1994 trata da oportunidade da sustentação oral, determinando seja ela depois do voto do relator. Foi este núcleo normativo o único alvo assestado pelos fundamentos deduzidos na petição inicial da ADI 1.105 e também o único debatido pelo STF, conforme se pôde assistir pela TV Justiça em tempo real e agora está disposto no acórdão publicado no último dia 4/6/2010 no DJE;
3) o terceiro núcleo normativo inserto no inciso IX do artigo 7.º da Lei 8.906/1994 é o tempo de duração da sustentação oral. Também aqui altera-se a regra do artigo 554 do CPC, referente ao ato processual da sustentação oral. O artigo 554 do CPC fixa a duração da sustentação oral em exatos 15 minutos. A norma do CPC é rígida, de prazo legal peremptório, de modo que os juízes não podem fugir à regra nem para limitá-lo em tempo inferior, nem para autorizar seu extravasamento. Contudo, a norma inscrita no terceiro núcleo normativo do inciso IX do artigo 7.º da Lei 8.906/1994 altera essa circunstância processual e acaba com a rigidez da duração da sustentação oral, passando a admitir a possibilidade de deferir prazo mais dilatado sempre que houver necessidade. Também esse núcleo normativo, de índole estritamente processual, não foi objeto de postulação, debate e enfrentamento na petição inicial e no julgamento da ADI 1.105.
E nem se acene com o argumento de que também esses núcleos legais seriam inconstitucionais ou feririam a independência dos tribunais para redigirem seus próprios regimentos internos, porque a redação dos regimentos internos, mesmo dos tribunais superiores deve observar as normas constitucionais e as processuais (CF, art. 96, inc. I, ‘a’), delas não podendo se divorciar.
Pessoalmente, entendo que o segundo núcleo normativo é mesmo inconstitucional porque atenta contra o devido processo legal e o princípio do contraditório em seu sentido amplo. E foi esse o fundamento adotado pelo STF no acórdão recém-publicado. Não fosse assim, a sustentação oral estaria erigida à condição de verdadeiro recurso anômalo, interno ao próprio ato de julgamento, uma vez que as partes poderiam insurgir-se contra as razões adotadas pelo relator em seu voto, o que me parece transgredir a lógica da dialética do processo, se entendermos o julgamento como a síntese que deflui da tese e da antítese postuladas por cada uma das partes da relação processual.
Isso, no entanto, não ocorre com os dois outros núcleos normativos. Ao contrário, não violam nenhuma disposição constitucional. Tampouco agridem os primados do due process of law e do contraditório. Ao revés, fortalecem-nos ao admitir possam as partes apresentar as razões de seus recursos, quaisquer que sejam estes, e postular prazo mais dilatado para proferi-las em razão, por exemplo, da complexidade da matéria, do número de teses defendidas, etc.
Em razão dessas considerações, e analisando o acórdão publicado no dia 4/6/2010, a conclusão a que se chega é que o STF, inadvertidamente, foi colhido pelo calor do debate e deixou passar despercebido esse elemento de suma importância: o pedido formulado na petição inicial da ADI 1.105 é mais extenso do que as premissas em que se funda, i.e., do que a causa de pedir. E exatamente por isso a petição inicial é inepta em relação ao primeiro e ao terceiro núcleos normativos contidos no inciso IX do artigo 7.º da Lei 8.906/1994.
A correção desse erro, data maxima venia, elementar, no qual não pode incorrer uma corte da estirpe do STF, porque eminentemente técnico e que qualquer acadêmico aplicado é capaz de perceber, pode e deve ser buscada e concedida por meio do recurso de Embargos de Declaração.
Note-se que tais Embargos de Declaração não terão caráter infringente porque não serão dirigidos a reformar o conteúdo específico do ato decisório, senão apenas ajustá-lo ao que foi pedido e debatido para declarar inconstitucional somente o texto «depois do voto do relator», tal como o próprio STF fez na ADI 1.127, quando declarou ser inconstitucional apenas o texto «ou desacato» contido no parágrafo 2.º do artigo 7.º da Lei 8.906/1994, mantendo incólume o texto legal restante.
A correção ora sugerida e que se faz necessária só pode ser perseguida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, uma vez que atuou no processo na condição de amicus curiae. E não pode haver melhor amigo da corte (como soem ser os bons amigos), do que aquele que aponta o erro e ainda oferece a melhor forma de solucioná-lo para que o outro amigo tenha condições de repará-lo e não cause uma figura provocando até mesmo irrisão por ter incorrido em erro tão rudimentar."
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